Introdução
Noah Li compartilhou conosco o projeto "Just the Hands", uma animação de mãos inspirada em Patlabor 2, mostrando como um rig pode transmitir e evocar emoções.
Meu nome é Noah Li, sou animador 3D há muitos anos, principalmente no desenvolvimento de jogos. Desde cedo, jogava títulos como Gradius, Streets of Rage e Altered Beast em máquinas de fliperama e depois em PC e consoles. Há algo especial em dar vida a um conjunto de pixels, vértices e texturas em uma tela.
Como animador, busco inspiração na vida e em filmes, tanto live-action quanto animados. Sempre me atraí mais por atuações sutis e dramáticas do que por sequências de ação coreografadas. Diretores como Mamoru Oshii, Isao Takahata, Akira Kurosawa, Wong Kar-wai e Brad Bird foram pilares da minha inspiração.
O Projeto "Just the Hands"
Depois do rosto, as mãos são a parte mais expressiva da comunicação humana, e tão desafiadoras e complexas de animar quanto o rosto. O desafio mensal de animação da Agora Community em abril foi a oportunidade perfeita para mergulhar fundo na animação de um par de mãos, algo frequentemente negligenciado na animação de jogos.
Queria criar algo com muita sutileza e emoção profunda, ao mesmo tempo que me desafiasse como animador. Uma cena específica de Patlabor 2 foi uma grande motivação.
O áudio que usei é do último capítulo de "Onde os Fracos Não Têm Vez", filme dos irmãos Coen. É uma cena contida, mas muito intensa, perfeita para o tipo de tom que queria animar há muito tempo.
Planejamento e Execução
O planejamento é uma etapa essencial no processo de animação. Envolve coletar referências tanto para a mecânica do movimento quanto para o tipo de energia que o animador deseja transmitir. Idealmente, gostaríamos de ter imagens de referência com mecânica corporal correta e energia cinética adequada, mas muitas vezes temos que nos contentar com o que encontramos ou gravar nossas próprias referências.
Sentido horário: imagens de referência e três estágios de bloqueio
A seleção do rig também é uma decisão importante, pois pode ajudar ou atrapalhar bastante o processo de animação. Tenho usado os M-Rigs de Ramon Arango há algum tempo. Os rigs são super responsivos na viewport, e o design do personagem é muito atraente. Mazu foi a escolha perfeita para o papel.
Inicialmente, procurei imagens de referência online, mas logo ficou claro que precisava gravar as minhas. As imagens de estoque de movimentos de mãos não tinham a energia que eu buscava. No total, capturei cerca de 12 minutos de referência, dos quais usei aproximadamente 7 segundos, editados para combinar com o áudio.
Blocagem e Refinamento
O próximo passo após o planejamento e a coleta de referências é a blocagem. Nesse estágio, a base da cena é estabelecida. As poses-chave são definidas e cronometradas; chaves de quebra são adicionadas para esclarecer o movimento e o timing; pausas são colocadas para dar tempo ao espectador de ler e entender os movimentos.
Depois da blocagem, vêm os estágios de spline e polimento. A distinção pode ser um pouco confusa, pois alternei entre os estágios de blocagem e spline durante todo o processo. Nessa fase, o timing e as poses estão mais ou menos finalizados, e mais atenção é dada aos pontos de contato, arcos e espaçamento.
Trabalhei nessa animação por pouco mais de uma semana. Durante esse período, postei renders em andamento na Agora Community para receber feedback. Meu objetivo era aprimorar minha observação e expandir minhas habilidades de animação, além de melhorar meu planejamento e capacidade de seguir o plano estabelecido.
Como conselho para outros animadores: estudem a vida e busquem inspiração em todas as fontes, não apenas em animação. Reserve um tempo para observar os movimentos atentamente, até o menor detalhe, e planeje as cenas com cuidado. Mostre o trabalho em andamento e peça feedback frequente de colegas e mentores. Aceite todos os feedbacks com mente aberta, mas encontre seu próprio caminho na jornada da animação.
Noah Li, Animador Sênior/Técnico de Animação
Desafios Técnicos e Soluções Criativas
Um dos maiores desafios na animação de mãos é capturar a tensão muscular sutil que comunica emoção. Quando as mãos estão em repouso, os dedos mantêm uma curvatura natural, mas quando há estresse ou concentração, os tendões ficam mais visíveis e os movimentos se tornam mais deliberados. Essa foi uma das primeiras coisas que precisei ajustar após receber feedback inicial.
Outro aspecto complicado foi a sincronização dos movimentos com o áudio. O diálogo em "Onde os Fracos Não Têm Vez" tem um ritmo peculiar - longas pausas seguidas de frases rápidas e intensas. Tive que experimentar diferentes timings para os gestos, garantindo que reforçassem a fala sem distrair dela. Em um momento crucial, adicionei um leve tremor nos dedos que ocorre exatamente quando a voz do personagem no áudio quebra ligeiramente.

O Papel da Iluminação e Renderização
Embora o foco fosse a animação, percebi que a iluminação poderia elevar drasticamente o impacto emocional. Testei vários esquemas de luz antes de decidir por uma iluminação lateral suave que criasse sombras dramáticas nas dobras dos dedos. Isso ajudou a enfatizar a textura da pele e a profundidade dos movimentos.
Para o render final, optei por um estilo quase cinematográfico, com profundidade de campo raso focando nas mãos. Isso não só direcionava a atenção do espectador, mas também adicionava um senso de intimidade à cena, como se estivéssemos testemunhando algo privado e significativo.
Lições Aprendidas e Próximos Passos
Esse projeto me ensinou que às vezes menos é mais. Inicialmente, eu havia planejado movimentos mais amplos e dramáticos, mas ao revisar as referências e receber feedback, percebi que pequenos ajustes nas curvas de animação podiam transmitir muito mais emoção. Reduzi o número de poses-chave pela metade e concentrei-me na qualidade do movimento entre elas.
Uma descoberta interessante foi como a rotação dos pulsos afeta a percepção da intenção por trás dos gestos. Um leve giro para dentro durante um movimento pode sugerir hesitação, enquanto uma rotação para fora transmite confiança. São nuances que pretendo explorar mais em projetos futuros.
Atualmente, estou trabalhando em uma sequência mais longa que expande esse conceito, incorporando não apenas as mãos, mas também os braços e ombros para contar uma história mais completa. A ideia é explorar como pequenos movimentos podem sugerir uma narrativa complexa sem a necessidade de diálogo ou expressões faciais.
Ferramentas e Fluxo de Trabalho
Para quem se interessou pelo processo técnico, vale detalhar algumas escolhas de software. Usei Maya para a animação principal, mas complementei com Substance Painter para texturização e Mari para alguns ajustes de shader. O render foi feito no Arnold, que oferece ótimo controle sobre sub-surface scattering - essencial para criar a aparência realista de pele iluminada.
Um truque que descobri: animar com shaders básicos inicialmente e só depois aplicar os materiais finais. Isso evita distrações durante o processo criativo e acelera o playback na viewport. Outra dica é usar layers de animação para isolar diferentes aspectos do movimento - um layer para a base, outro para detalhes finos como tremores musculares.

O rig de mão que usei permitia controle tanto em FK (Forward Kinematics) quanto IK (Inverse Kinematics), alternando entre eles conforme a necessidade. Para movimentos amplos, o IK era mais eficiente, enquanto o FK oferecia maior controle para ajustes finos nos dedos. Essa flexibilidade foi crucial para alcançar o nível de detalhe que buscava.
Com informações do: 80lv